28 de out. de 2008

FENÔMENO UNIVERSAL DE CULTURA E SABERES ANCESTRAIS: fé, contraste e semelhança




FENÔMENO COMO FERRAMENTA MISSIONÁRIA

No Houaiss (2001) encontramos que aquele que faz missão é o que trabalha para divulgar e/ou apregoar uma idéia ou uma causa [...]. Se divulgar as idéias de Deus, narrada na Bíblia Sagrada está nesse contexto, nada tão interessante quanto descrever fatos observados durante o CONPLEI, pelo grupo de amigos, protagonista deste texto.

Para entender o que Deus tem preparado para aqueles que almejam desenvolver ministérios junto a comunidades indígenas isolados ou semi-isolados, é interessante entender que é um grande desafio. A vida missionária desenvolvida no âmbito do fenômeno religioso que lida com a dimensão subjetiva de culturas indígenas para a promoção da dinâmica, da cumplicidade e da interação com o outro, necessita observar densamente a vida cotidiana desses povos. Conhecer um acervo cultural específico, conviver com suas práticas ancestrais e compreender o amor de Cristo por essas pessoas que não é diferente da de outras. Não é necessário acumular conhecimentos ou depositar informações pré-elaboradas, mas ter capacidade de assimilar os saberes e a produção de significados sócio-culturais.

Na perspectiva do fenômeno da religião, a intenção do missionário é apregoar o ensino que transforma o homem interior e exterior, é também prepará-lo para o trabalho, para a sociabilidade e para a compreensão da cultura simbólica que exige do aprendente um olhar para a perspectiva histórica da realidade, não como “mera sucessão de fatos, e sim como articulação de acontecimentos com a natureza divina, com os semelhantes, articulando seus produtos simbólicos” (SEVERINO, 2001, p.149) que associam o conhecimento bizarro da antropologia presente na dimensão do agir humano, na percepção das relações situacionais dessa intrincada rede de realidade social e pessoal que dá as condições práticas e concentra o significado da ação vivida.

A consistência da ação missionária será reconhecida quando “assegurado um complexo articulado de elementos que traduzem competência epistêmica, técnica e científica, criatividade estética, sensibilidade ética e criticidade política” (SEVERINO, 2001, p.159). Assim, o processo de ensinar confunde-se com a própria ação de viver, então a atitude do missionário frente ao aprendente é muito mais do que um facilitador da aprendizagem ou assistente; ele é o próprio conhecimento que se mostra ao aprendente. “O preparo [...] do divulgador deve coincidir com sua retidão ética” (FREIRE, 2000, p.16).

Convergir para ou simpatizar com os ditames de uma determinada tradição religiosa significa salvaguardar a humanidade, própria e dos outros. O humanum constitui regra de ouro: “Tudo aquilo que quereis que os homens façam a vós, fazei-o vós mesmos a eles” (Mt 7,12). Entender as práticas religiosas deve nos tornar mais humanos, isto é, mais sensíveis e fraternos, mais tolerantes e plurais, em prova de sua autenticidade.

Posto que cada tradição configura-se como modelo de organização da vida e do mundo a partir da ótica religiosa, num sistema de conhecimentos prático-performativos traduzidos em ritos, fatos e valores, o fenômeno religioso na dimensão do saber entende que a elaboração de um novo saber por parte do aprendente acontece por associação, onde atos, intenções e significados descritos e comparados situam o universo religioso de cada cultura e justificam os símbolos de cada crença.

Na realidade, os índios criam representações para observar o mundo físico, social-subjetivo e até para algo que se relaciona com a metafísica. Essa estratégia, utilizada pela tradição indígena serva para mostrar seu conhecimento sobre os mundos físico, social e subjetivo e consiste em representá-los, para que eles ganhem estabilidade na busca incessante de um sentido para a vida deles próprios, uma vez que não o encontram pronto diante do diferente.

REFLEXÕES FINAIS

O texto se propôs a falar do fenômeno da religião e considera a experiência originária por estar na raiz do ser, constituída pelo relacionamento de pessoas que compreendem a idéia de morada - ethos do Altíssimo - e que esta incide na morada humana, em sendo uma prática social que produz e realiza significado, a morada pressupõe atividade cooperativa estabelecida por princípios, metas e valores para fins humanos serem atingidos e ampliados.

Deste modo, o fenômeno observado e vivido no CONPLEI, constituiu verdadeiro nicho de pesquisas, especialmente as que enfrentam resistência frente aos avanços sociais e econômicos que invadem o mundo do homem originário, imbricando-o aos reveses de estruturas de vanguarda. A visão cosmológica deste homem está pautada nos saberes ancestrais e não atribuída a formação lógica do Universo, sua consciência está voltada a um ser supremo, concebendo, antes, esse processo como resultante de sucessivas ações parciais e incompletas construídas ao longo da vida. E este papel fulcral dá ao homem desempenhá-lo como função mágico-religiosa.

Os lideres indígenas, especialmente os pajés, munidos de apetrechos de suas culturas, tratam os doentes com ervas e esconjuros (invocação mágica ou imprecação dirigida às forças ocultas ou naturais, para que obedeçam à vontade de alguém) nomeadamente através do bafejo com tabaco, para afastar os espíritos. Lançam profecias e recorrem ao transe induzido pela intoxicação de ervas, quando compreendem o plano de salvação transferem esses rituais ao Deus verdadeiro e da mesma forma invocam, clamam e bradam ao sobrenatural de Deus e ele o atende. “Clama a mim, e responder-te-ei e anunciar-te-ei coisas grandes e firmes, que não sabes” (JEREMIAS, 33:3).

Este fenômeno - ato de fé - se caracteriza como manifestação religiosa por meio de doutrinas e rituais próprios - apresenta-se entre nós e vem reconhecido como valor constituinte da condição humana. Por esta razão, a expressão religiosa demonstrada nesses rituais com danças, cânticos, grafismos e etc, como instância mediadora da própria experiência religiosa individual e coletiva, é um direito de cidadania que precisa ser disseminado e explicitado por pessoas que conhecem o poder sobrenatural que transforma e dá novos sentidos à vida, seja ela índia ou não-índia.

Portanto o fenômeno da religião observado pelo grupo teceu pequenos feixes para compreender a unidade na diversidade que se caracteriza no convívio simples com pessoas, sejam elas de diferentes culturas, pois o fenômeno especialmente o que envolve cultura étnica, é dinâmico e contraditório no olhar de quem o detém. O fenômeno é feito de caos e cosmos, diabólico e simbólico, profano e santo, ordem e desordem. Essa é a lógica do universo e também a lógica social, que busca uma

... resposta teológica para as suas aspirações, uma compreensão mais vasta que o integre, de uma forma sacral, no macrocosmo a que pertence e, simultaneamente, um encontro consigo próprio e com a divindade, encontro que lhe traga a paz e a fé. Mas também uma integração social, uma personalização da sociedade circundante, um dimensionamento microcosmático do Universo; inversamente, uma generalização, uma socialização dos seus problemas individuais, uma projeção do ego numa escala dimensionada cosmicamente, uma compreensão do SER que não passa apenas pela via ontológica (JOLLES, 1930, p.17).

Todavia, o homem social examina o cosmo e seus fenômenos e ganha de volta palavras que vêm ao encontro de suas aspirações. Dessa forma o Eterno faz-se conhecer e se mostra para o homem, por pergunta e resposta, dando lugar àquilo que chamamos místico - relativo à vida espiritual e contemplativa - (JOLLES, 1930, p. 88). Como no universo há muito fenômeno seja religioso ou não, são inexplicáveis. O homem apreendia esse mundo à sua volta, construindo o sentido para a sua experiência na forma de mitos.

Esses fenômenos incrustados de subjetividade que traz paz e fé passam a ser utilizados no processo de aprendizagem de missionários ao chegar ao campo, além de suscitar discussões relativas ao enraizamento/desenraizamento da cultura do humano. Essa afirmação pode ser delineada por Morin (2000, p. 61) onde o aprendizado, “[...] deveria mostrar e ilustrar o destino multifacetado do humano, o destino da espécie humana, o destino individual, o destino social, o destino histórico, todos entrelaçados e inseparáveis”.

Assim, desenvolver idéias a partir da fenomenologia da religião deve ser uma das vocações essenciais do missionário do futuro por ser uma vertente do estudo da complexidade humana. Este conduzirá a tomada de posição de consciência da condição comum a todos os humanos, da rica e necessária diversidade dos indivíduos sociais e das culturas sobre nosso enraizamento como cidadãos da Terra. Com isso seremos mais cordiais, humanos e espirituais podendo dar razões e oferecer significados existenciais ao outro, racional e incondicional como o Mestre nos ensinou.

Em razão dos fenômenos observáveis descobertos pelo grupo, pode-se compreender que, em trabalho de campo, seja no ensino ou na aprendizagem, se deve explorar a diversidade de valores. A necessidade da presença de saberes que alicerçam a história no ensino é indiscutível, principalmente, porque, apoiando-se nas palavras de Ricoeur (1984), o discurso das linguagens (oral, gestual, visual, facial e corporal) propõe “refigurações clarificadas ou interpretáveis”, e é por meio da interpretação dessas que o funcionamento psíquico humano se expande, enriquece e se reestrutura perpetuamente.

Essa função de reestruturação é, pois, de fundamental importância, uma vez que o discurso do homem dá sentido ao caos e às suas ações. Nelas, ele encontra modelos de ação e avaliação de suas ações. Assim, o fenômeno da religião tem papel relevante na recuperação da cultura natural e no trabalho missionário como ação social, quando índio e não-índio se encontram com o Criador por meio de suas histórias multiculturais.

A partir do fenômeno multicultural, por exemplo, o instrutor pode explorar no sentido de os aprendizes enriquecerem sua perspectiva de mundo, de ciência e de moral, ao comparar como essas questões veiculadas no texto em estudo e na cultura da qual o aprendiz faz parte, a percepção do aprendiz a ver “mundos” de Habermas com suas diferenças de cultura para cultura, como são produtos histórico-sociais próprios de uma determinada comunidade.

Por fim, não menos importante, o texto inacabado por não esgotar o estudo acerca do tema proposto. Termina dizendo que, a partir deste, outros olhares teórico/didáticos podem ainda ser desenvolvidos. Sintetizando o propósito, sai por empréstimo a palavra de Paulo: “Ninguém busque o proveito próprio; antes, cada um, o que é de outrem” (1 Co.10.24). “... rejeitamos as coisas que por vergonha se ocultam, não andando com astúcia nem falsificando a palavra de Deus; e assim nos recomendamos à consciência de todo o homem, na presença de Deus, pela manifestação da verdade”. (2 Co. 4.2)

REFERENCIAS

AQUINO, S. Tomás. Suma Teológica, Vol. I. São Paulo: Loyola. Bauru: EDIPRO, 2003.

BENCHIMOL, Samuel. Amazônia, Formação Social e Cultural. Manaus: Ed. Valer, 1999.

BERGER, P. L. The Social Reality of Religion. Faber and Faber, 1967.

BÍBLIA ONLINE. Modo Avançado. Versão 2003.

BOFF, Leonardo. A Trindade e a Sociedade. 5° Edição, coleção: Teologia e Libertação Petrópolis: Vozes, 1999.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O desencanto do outro: mistério, magia e religião nos estudos do mundo rural no Brasil. In: Anuário Antropológico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993.

COSTA, Maria José Jackson. et. al. Sociologia na Amazônia – Debates e Experiências de Pesquisa. Belém: Editora Universitária /UFPA, 2001.

HOUAISS. Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa 1.0. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

FOUCAULT, Michael. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópoles, Vozes. 1987.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 15. ed. São Paulo : Paz e Terra, 2000.

GALVÃO, Eduardo. Santos e visagens: um estudo da vida religiosa de Itá, Baixo Amazonas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A., 1973.

JOLLES, André. Formas Simples. São Paulo, Cultrix. 1930.

KANT, Immanuel. A Metafísica dos Costumes. Trad. Edson Bini.

LIDÓRIO, Ronaldo. Índios do Brasil: avaliando a missão da igreja. Org. ULTIMATO. Viçosa. Minas Gerais: 2005.

_______. Uma alma vale mais que o mundo inteiro. Um Breve Relato. http://www.ronaldo.lidorio.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=109&Itemid=26. CONPLEI 2008. Acesso: 21/09/2008.

MELLO, Anísio. (Org.) Antologia do Folclore Brasileiro: Estórias e Lendas da Amazônia. São Paulo: Iracema, s.d.

MORRIN, E. Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Editora Cortez, 2000.

LIMA, Deborah de Magalhães, A Construção Histórica de Termo Caboclo: sobre estruturas e representações sociais no meio rural amazônico. Novos Cadernos NAEA, v. 2, Belém: UFPA, 1999.

OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Identidade, Etnia e Estrutura Social. São Paulo: Pioneira, 1976.

________. O Índio e o Mundo dos Brancos. São Paulo: Pioneira, 1972.

RICOEUR, P. (1995). Tempo e Narrativa. Tomo II. Campinas, São Paulo. (Edição original: 1984).

SEVERINO, Antônio Joaquim. Educação, sujeito e história. São Paulo: Olho D’água, 2001.

UKWATCHALI, Padre José Adriano. O fenômeno religioso na cultura umbundu como processo do desenvolvimento de angola. s.d., s.p.