27 de mai. de 2008

RIBEIRINHOS MIGRANTES DA AMAZÔNIA: [re] significando o imaginário cultural na prática de manejo e uso da floresta

Em abril passado, estive participando de uma mesa redonda em Salamanca /Espanha. Não foi fácil chegar por lá, depois de uma atribulada situação no Aeroporto Barajas em Madrid, onde fiquei detida por aproximadamente 10 horas.
Os fatos não abafaram a qualidade do trabalho, a força interior que me conduz, abrilhantou o meu ser diuturnamente, mesmo sem minha bagagem, foi outro desacerto da viagem, o reconhecimento veio quando a plenária se mostrou interessada e o Coordenador dos trabalhos, daquele dia, se postou para me cumprimentar.
Veja se não valeu a pena o sacrifício! É só ler e deleitar-se com as idéias.




Maria do P. Socorro Nóbrega Ribeiro
Universidade do Estado do Amazonas
mnobrega@uea.edu.br

A expansão territorial do Brasil ainda tem sido pouco pesquisada, apesar do valor estratégico e atual que reveste a questão. Historiadores amazonenses, como Arthur Cézar Ferreira Reis, ex-governador do Amazonas, e Samuel Benchimol, contribuíram com relevantes obras da história da ocupação e formação das fronteiras da região. A obra documental e os estudos legados pelo historiador português Jaime Cortesão estão a merecer renovada atenção da parte de historiadores e cientistas políticos brasileiros, se quisermos reconhecer a formação de nossas fronteiras.
Em decorrência, os equívocos com os quais se defronta o conhecimento da realidade amazônica transcorrem da carência de ensinamentos geopolíticos mais sólidos, embasados em uma historiografia mais rigorosa acerca da legitimidade da ocupação portuguesa dos territórios amazônicos, que abrangeram no passado o estado do Maranhão e Grão-Pará. A maioria das contribuições existentes data dos anos 1950-60 e hoje são pouco conhecidas. É o caso das obras fundamentais de Reis e de Jaime Cortesão.
Desse compendio a proposta traz para debate a cultura do caboclo migrante - ribeirinho - levando em conta o assombreamento dos costumes ancestrais à formação de novas identidades com base no mundo imaginário estruturado a partir do novo e a sustentação das tradições hora desaparecidas do convívio desse povo e que é suscitada por historiadores, educadores, filósofos, sociólogos e antropólogos que tentam desbaratar, chamando a sociedade para o debate.
A discussão surgiu no campo de pesquisa quando aluna do mestrado em meados de 2001, ao perceber o fluxo migratório ocorrido nos últimos quarenta anos em direção a Manaus e visa estabelecer um diálogo interdisciplinar entre saberes a partir da identidade cultural e do processo de acomodação vivido pelos migrantes, destacando o universo simbólico comum no dia-a-dia da população campo.
Arenz (2000) destaca este homem como ribeirinho, povo das barrancas dos rios, fortalecido pelas múltiplas configurações de resistência contra o poder hegemônico da época que os mantinha em constantes repressões, sendo estes: colonos, negros, tapuios e “índios-aldeados”. Esta condição vivida na década de 1830, em que a província do Grão-Pará, tinha pouco mais de 80 mil habitantes, sem incluir a população indígena não-aldeada que esperava ter seus direitos reconhecidos. Os escravos negros lutavam pela abolição da escravatura e os profissionais liberais nacionalistas e parte do clero pelejavam por uma independência mais efetiva que afastasse os portugueses do controle político e econômico.
Foi no campo de pesquisa que o tema passou a ter maior relevância em minha vida social e profissional, daí inaugurei no convívio com a população campo, gente simples de especial valor, novo momento intelectivo. Travei uma luta na tentativa de responder ou clarear categorias relacionadas aos saberes cotidianos daquela comunidade, que a meu ver encontra-se distanciada dos mesmos, seja no plantio do roçado, na coleta de frutos, no cultivo de horta doméstica, de ervas medicinais e outros saberes do dia-a-dia. Todos utilizados como fonte de alimentação ou cura de males pelas comunidades rurais que tem a cibalena, o anador, a andiroba, a copaíba, a mucura-cáá, o boldo, o mastruz, o cragiru, malva-grossa, hortaliças em geral e tantos outros de essencial valor.
Antevejo que trabalhar cultura tendo como eixo o mundo imaginário da floresta é buscar compreender os saberes naturais existentes na relação homem/meio/homem na perspectiva da subsistência planetária estabelecida há décadas, sem, tampouco esquadrinhar àquela Amazônia que coexistiu com invasões políticas e eclesiásticas, mas expondo a miscigenação cultural agregado a ela que sempre foi e ainda é objeto de cobiça, pilhagem e inspiração de muitos que historiaram metaforicamente o mundo real e imaginário da população nativa.
Destacamos Vicente Carvajal, Cristóvão de Acuña, João Felipe Bettendorff, Luiz e Elizabeth Agassiz, Frederick Hartt, Alfred Russell Wallace, no ranque nacional temos Alberto Rangel, Euclides da Cunha, Peregrino Júnior, Antônio Olinto, Samuel Benchimol contando do Inferno Verde; À Margem da História; Matupá; Histórias da Amazônia; Sangue na Floresta; Amazônia Formação Social e Cultural (1999) e tantos outros. A história, ainda hoje a metamorfoseia como mundo intocável, pulmão do mundo, terra de manejo, paraíso ecológico e outros adjetivos, que, segundo suas concepções unem o mundo real ao irreal.
Desse calidoscópio de cultura brotou a necessidade de discutir dialeticamente os saberes naturais na tentativa de delinear indagações extraídas do campo investigativo ao lidarem com cultura e subjetividade na expectativa de ressignificar os saberes tradicionais tomando a prática cotidiana como elo re-construtor de novos conhecimentos.
Dessa tradição, composta de sistemas co-construídos de signos em que a cultura não é um poder, antes um contexto, onde fenômenos se tornam inteligíveis, susceptíveis de serem descritos com consistência, desejo expressar, para discussão, algumas falas coletadas no campo com relação aos saberes da floresta no tocante ao cultivo e uso da flora na expectativa de ressignificar conhecimentos simbolizadores da cultura e trabalhar para a compreensão do novo.
A discussão pretende trazer falas que entrecruzam saberes agregadas às novas informações e demonstre que os mesmos não poderiam ser visto de outra forma senão a partir das histórias de vida da população envolvida na questão. De forma intencional e/ou involuntária servirá como arcabouço para o vazio existente nos debates onde homem/meio/homem manifestam o sobrenatural e possibilitará a discussão dialética entre interlocutores que lidam com as questões. Nisso está à relevância da discussão por ir além dos limites de reformulações humanas, chegando aos valores naturais e ecológicos que são retomados com grande força na determinação de novos códigos, em todas as áreas do conhecimento cientifico e da vida prática.
Frente aos desafios, BODNAR IN KÜPER (1993:279) define como “un proceso social, permanente, inmerso en la cultura propria, que permite conforme a las necessidades, interesses y aspiraciones de um pueblo, capacitarse para el egércicio del control cultural del grupo étnico y si interrelación com la sociedad hegemónica en términos de mutuo respeto”. A sociedade passa por mudanças sociais permanentes, a maioria emergindo de culturas naturais e, segundo as necessidades e interesses capacitam-se para interagir com sociedades hegemônicas em termos de mútuo respeito ou atitude brutal. Sendo o homem um ser inacabado, porém astuto, é capaz de ver a urgência de lutar pela vida e a necessidade de escolher entre as várias possibilidades que ela nos oferece no momento (GONZÁLES, 2005).
Marx apud González (2005) já assinalava o caráter inconcluso e dinâmico do humano por estar caminhando para sua plenitude, mesmo tendo dificuldade em se dar conta das necessidades inerentes, por isso ele propõe a práxis como meio de libertar este homem de suas alienações e assim, obter realizações humanas plenas de transformações da realidade.
São dificuldades que se estruturam por vez em sistema de idéia parcial ou totalmente inconsciente e se tornam capazes de interferir no saber pensar, sentir e fazer de populações ao agregar padrões pré-estabelecidos pelo sistema globalizante, indentificado pelo grande capital financeiro esquecendo o grande capital cultural. Para alguns sociólogos, antropólogos e educadores, estes padrões tendem a alterar o comportamento social e a aprendizagem humana, fazendo do mundo um ambiente cada vez mais dotado de novos significados e representações (BOURDIEU, 1989; DURAND, 1997/1998 e GONZÁLEZ apud FREIRE, 2006), onde populações tradicionais não conseguem se inserir no moderno e passam a viver uma antropologia da deformidade defendida por Boas.
A idéia é, à medida que as sociedades se tornam maiores com divisão social, certos domínios de atividade se tornam relativamente autônomos: “No interior desses setores ou campos da realidade social, os indivíduos envolvidos passam, então, a lutar [...], sobretudo, pelo direito de legitimamente classificarem e hierarquizarem os bens produzidos” (NOGUEIRA apud BOURDIEU, 1983:36), principalmente aqueles que fazem parte do acervo cultural herdado de seus antepassados que muitas vezes vêm-se perdidos nos valores e espaços para o capital especulativo.
Na Pedagogia da Autonomia, Freire ressalta que temos um aliado. A escola num primeiro momento é capaz de explicar os enfretamentos culturais com estudos e análises dos procedimentos educacionais utilizados para compreender e comparar a miscigenação cultural. O homem amazônico que vive paradigma dentro das ciências da educação, demonstrando peso social sobre o aprendizado natural, reconhece que o desempenho escolar não depende unicamente da literatura. Caso contrário a educação perderia o papel que lhe fora atribuído, de instância transformadora e democratizadora das sociedades e passaria a ser vista como uma das principais instituições por meio da qual se mantêm e legitima os privilégios sociais (BOURDIEU:1983).
Reafirma o autor que é possível conhecer o mundo sociocultural através da configuração fenomenológica, objetivista e praxiológica, onde o conhecimento fenomenológico representaria a corrente da etnometodologia e o interacionismo simbólico, capaz de captar experiências primeiras do mundo social, tal como vivida cotidianamente pelos membros da sociedade.
Durkheim indica os sistemas simbólicos da educação, como estruturas estruturantes, como elementos que organizam o conhecimento ou mais amplamente a percepção que os indivíduos têm da realidade. Nogueira apud Lévy-Strauss (2006:36) analisa os sistemas simbólicos como estruturas estruturadas, ou seja, como realidade organizada em função de uma estrutura subjacente que se busca identificar. A corrente marxista, concebe os sistemas simbólicos, antes de mais nada, como instrumento de dominação ideológica, como recursos utilizados para legitimar o poder de determinada classe social de manipulação e dominação política.
Forquin (1995) também valorizara a dimensão cultural e ideológica da educação [...] enquanto base e transmissor estrutural da reprodução social. Para diferentes classes e grupos sociais, diferentes conhecimentos (quantidade e qualidade) e habilidades (comandante e comandado) que legitimam a cultura, preparando de modo diferenciado, a comunidade para o trabalho de acordo com classe social, raça e gênero.
E tal situação há de continuar enquanto o poder de controle sobre os conteúdos, estruturas e financiamento da educação depender daqueles que dispõe também do poder econômico e político no seio da sociedade capitalista - eis a razão porque toda democratização da educação é sem dúvida ilusória (BOWLES e GILIS:1976, apud FORQUIN, 1995:62).
Bourdieu e Passeron (1975) por sua vez, atribuem a desigualdade do sucesso escolar às desigualdades culturais entre os grupos, a distinção do "capital cultural" e a disparidade de "ethos de classe", como eles denominam para explicar desigualdade. Portanto, a profundidade da discussão está estabelecida não só pela pesquisa organizada e narrativa coletadas no campo, mas pelo contínuo confronto da sociedade por entender o enfoque e o significado multiétnico das culturas subjacentes, fazendo com que os filhos da nova geração se apeguem ao que é apregoado pela grande mídia (multimídia).
O conceito de cultura está relacionado ao plano simbólico e imaginário ou de criações que propiciam à comunicação humana nas diversas formas de linguagens – oral, corporal, fala, gestos, escrita, etc –. A cultura é prática, posto que se manifesta de formas variadas nas diversas atividades humanas – do concreto ao sensível e imediato. Bourdieu (1998) procurou demonstrar como as culturas das classes dominadas são marcadas pela lógica da comunicação a séculos, na objetividade das estruturas sociais e na subjetividade das estruturas mentais, impondo-se como universal, natural e evidentes. Por isso, pensar cultura no plano da antropologia faz botar no homem o dever, não só de reinterpretar saberes, sobretudo de populações migrantes, socialmente construídos na prática comunitária em relação ao ensino de conteúdos (FREIRE, 2002:33), como também aplicá-los em favor da sociedade.
Do campo de pesquisa verifiquei questões relacionadas a vida partilhada, sentimento cooperativo e o assombreamento da cultura cabocla. Vi na sociedade - igreja, escola, ong’s e população em geral - o caminho integralizador, socializador e articulador da coletividade que involuntariamente idealiza novos conhecimentos.
Conquanto se afirme que esta sociedade formada por espaço de luta entre tendências de diversos grupos, observei que a cultura da floresta corresponde ao marco de embate caracterizado por ações de interesses, já que a mesma requer um empenho sobre-humano por estar contida nas novas identidades que se fortaleceu nos últimos anos, ganhando configurações à medida que a sociedade se defronta com enigmas sociais impressos em grande parte pela mídia pressionada pelas grandes “estruturas sociais” que regem a promoção e o desenvolvimento da coletividade emergente marcada pelos movimentos globalizantes ora vistos.
De fato, lembra Weigel (2000), a população migrante está vivendo um momento propício para assentar-se em rotinas de vida com grandes transformações e mudanças, sejam de natureza sócio-cultural, sejam de caráter político-econômico. Portanto, cabe a sociedade desenvolver a capacidade de expressar e comunicar suas idéias, participar e interpretar a cultura, intervir pelo uso do pensamento lógico, da criatividade e da análise crítica, além do exercício cotidiano dos seus direitos, deveres, atitudes e condutas como atitude de respeito às diversidades.

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
ARENZ, Karl Heinz. Filhos e Filhas do Beiradão - A formação sócio-histórica dos ribeirinhos da Amazônia. Para: FIT, Editora Tiagão, 2000.
BOGDAN, Roberto C.; BIKLEN, Sari Knopp. Investigação Qualitativa em Educação. Trd. Maria João Alves; Sara Bahia dos Santos e Telmo Mourinho Baptista. Portugal: PORTO EDITORA LTDA, 1994.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Lisboa, ed. Difel, Rio de Janeiro: Bertrand-Brasil, 1989.
___________; PASSERON, J. A Reprodução. Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino. Lisboa: Vega. 1970.
DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. São Paulo: Cultrix/EDUSP, 1988.
_______­­­­­____. As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
FERNÁNDEZ GONZÁLEZ, Leopoldo J. A gratuidade na ética de Ortega y Gasset. São Paulo: Annablume/Riomar, 2001.
FORQUIN, J.C.(org.) Sociologia da educação. Petrópolis : Vozes, 1995.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1986.
____________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 30°. ed. São Paulo: Paz e Terra.
KÜPER, W. Pedagogia intercultural bilíngüe – experiências de la region Andina.
Quito/Equador, 1993
MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Ed. Vozes. 18ª edição. Petrópolis. 2001.
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em Educação. São Paulo: Editora Atlas S.A., 1992. Leopoldo Fernández. Caderno de Antropologia da Educação. Editora Vozes, Rio de Janeiro: 2005.
WEIGEL, Valéria Augusta C. de Medeiros. Escolas de Branco em Malokas de Índio. Manaus: Ed. EDUA, 2000.

* O Termo caboclo evoca vários significados relacionados à geografia Amazônica; de descendência e ‘raça’ (indígena, mestiça), das hierarquias e relações sociais (conquista - ibérica, submissão, manutenção da relação de dívida e de crédito no aviamento, todas ligadas à história da ocupação européia na Amazônia). Geralmente, definido a partir de sua submissão dentro do processo econômico da Amazônia dos séculos XVIII e XIX, sem que se frise muito a sua condição étnica própria. Cf. ARAÚJO, Carlos Moreira Neto, 1993.
Descendente de europeu e índio brasileiro, de pele acobreada. Tapuia, caipira, roceiro, pessoa desconfiada ou traiçoeira, revelando assim a carga pejorativa que lhe é inerente. Cf. BUARQUE, Aurélio de Holanda Ferreira, 1997.
O termo é usado na literatura acadêmica para fazer referência direta aos pequenos produtores rurais de ocupação histórica. No discurso coloquial, a definição da categoria social é complexa, ambígua e está associada a um estereótipo negativo.
Na antropologia, é definido como camponês amazônico é objetivo e distingue os hábitos tradicionais dos imigrantes recém-chegados de outras regiões do país. Cf. LIMA, Deborah de Magalhães.

2 comentários:

Anônimo disse...

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